O banho
... a caneca que me serviu para tirar a água da lata e o
sabão de mamona feito em casa, com o qual me lavei ...
a bucha, que saiu do pé de bucha que mamãe plantou
pensando nos nossos banhos.
Sem me enxugar, estou quase seca com a temperatura
ambiente ...
... a caneca que me serviu para tirar a água da lata e o
sabão de mamona feito em casa, com o qual me lavei ...
a bucha, que saiu do pé de bucha que mamãe plantou
pensando nos nossos banhos.
Sem me enxugar, estou quase seca com a temperatura
ambiente ...
Estou no terreiro, à tardinha. Acabei de tomar meu
banho. A lata de água ainda está ao lado. Era uma lata dessas
de 20 quilos que, comprada com querosene, tem mil utilidades
depois. Para fazer caneco, levar comida para os porcos,
fazer carro pelo meu irmão... Na lata ainda ficou água que
daria para o banho de outra criança. Em cima de uma grande
tábua, onde está a lata de água, coloquei a caneca que me
serviu para tirar a água da lata e o sabão de mamona feito
em casa, com o qual me lavei, assim como a bucha, que
saiu do pé de bucha que mamãe plantou pensando nos nossos
banhos. Sem me enxugar, estou quase seca com a temperatura
banho. A lata de água ainda está ao lado. Era uma lata dessas
de 20 quilos que, comprada com querosene, tem mil utilidades
depois. Para fazer caneco, levar comida para os porcos,
fazer carro pelo meu irmão... Na lata ainda ficou água que
daria para o banho de outra criança. Em cima de uma grande
tábua, onde está a lata de água, coloquei a caneca que me
serviu para tirar a água da lata e o sabão de mamona feito
em casa, com o qual me lavei, assim como a bucha, que
saiu do pé de bucha que mamãe plantou pensando nos nossos
banhos. Sem me enxugar, estou quase seca com a temperatura
ambiente, mas protegida do sol, embaixo de uma
das árvores frutíferas que meus pais plantaram. Mangueiras,
jabuticabeiras, bananeiras, goiabeiras, jaqueiras, laranjeiras,
coqueiros, limoeiros. Algumas nativas, quase todas plantadas
com mudas ou sementes doadas pelas comadres ou por
parentes. Um pomar imenso para o meu pequeno tamanho.
Agora devo começar minha volta para casa onde
estão meus tamanquinhos, meu pijama de flanela e minha
mãe que prepara o jantar ao mesmo tempo em que cuida de
tantas outras coisas: dar comida às galinhas e porcos; ver se
minha irmã e meu irmão, os mais velhos, que já vão à escola,
fizeram suas tarefas; recolher as roupas secas lavadas
na manhã mesma; passar... Eu não quero e não devo me
sujar após o banho. Tenho à minha disposição dois pedaços
de madeira retangulares do tamanho das telhas de tabuinha
que cobrem a nossa nova casa. Aliás, foram duas das que
não foram servidas que estou utilizando. Agora, ao invés da
primeira e pequena casa, temos uma grande. Sala, cozinha
e dois quartos, um para os pais e o outro para as crianças,
além de uma varanda na frente. Na frente desta e de toda a
casa, tem muitos pés de flores plantadas pela minha mãe. A
casa velha, onde nasci, serve agora de lugar para estocar os
mantimentos colhidos na roça: arroz, feijão, café, algodão...
Penso em papai que ainda está na roça e só volta
com o escurecer. Mamãe já esteve, ela volta mais cedo para
cuidar das coisas da casa. Das duas tabuinhas que tenho nas
mãos, coloco uma no chão, em direção à casa, piso em cima
e começo a avançar. Agora, coloco a segunda mais na frente,
recupero a que ficou atrás e dessa forma vou indo até chegar
ao destino, sem sujar os pés. Só estou vestida de calcinha
feita por minha mãe que, aliás, costura para toda a família.
Ela é feita de restos de tecidos que sobraram das calças
compridas ou das blusas de meu pai ou ainda dos nossos
vestidos de chita. Colorida, de elástico na cintura, sou rainha
no meu universo. Ouço os passarinhos, o barulho do vento,
dos porcos que reclamam comida; vejo o sol que começa a
avermelhar antes de deixar ao espaço a escuridão que não é
completa, pois o escuro da noite é iluminado pelo tapete de
estrelas que parece cair nas nossas cabeças. Penso no meu
irmão que está construindo, com a ajuda do pai, um carro
com uma lata de óleo de um litro e uns pedaços de madeira.
Queria saber fazer carros assim, mas ele disse que sou menina,
não posso aprender. Também não quer me ensinar a
assoviar. Meu pai diz que assoviar é coisa pra homem.
Não gosto de brincar de bonecas. Minha irmã mais
velha não brinca mais, ajuda minha mãe, quando não está
na escola, vai levar merenda para o meu pai na roça, ajuda a
colher, assim como meu irmão. Minha segunda irmã só gosta
de brincar de bonecas. Tem uma de pano feita por minha
mãe, de cabelos pretos e boca vermelha. A boneca tem até
roupas também feitas pela minha mãe. Mas como é uma só
e ela precisa de outras para serem os filhos, o pai e as comadres,
ela mesma fabrica outras com sabugos de milho que
pega no monte dentro do galpão. Eles servem para se limpar
quando a gente quer ir ao “mato”, para acender fogo, mas
também para se fazer bonecas. Com a ajuda de carvão preto
elas ganham sobrancelhas e olhos. Os lábios são desenhados
com sementes de urucum, plantado por minha mãe, para
fazer colorau que dá cor ao arroz, ao frango... Que paciência
tem essa minha irmã! Após dar vida às “filhas”, ela cria
para elas roupas com folhas de laranja, flores, ou qualquer
outra coisa que sirva. Em geral, os fios do milho verde se
transformam em cabelos e os espinhos de limão ou laranja,
em agulha para dar injeção quando tiver “criança” doente.
Minha mãe vive reclamando que ela pega todas suas flores e
pica para fazer não sei o quê. Outro dia, brincando com ela,
fiz remédios. Com o líquido da mandioca, que mastiguei, fiz
um remédio branco para dor de barriga. Com o suco da laranja,
que mastiguei, coloquei um pouquinho de areia, como
se fosse o chifre queimado que mamãe torra e faz pó, para
usar como remédio contra tosse. Brincar de farmácia é melhor.
Assim, quando minha irmã tem “crianças” doentes, ela
pode ir à farmácia. Não vejo graça nenhuma em brincar de
boneca mas, às vezes, termino cedendo às vontades dessa
irmã e brinco com ela. Se não for dessa forma, com quem
ela vai brincar? Com meu irmão? Claro que não!
Estou quase chegando à porta da cozinha de casa.
Já percorri uns 7 metros que separam a casa do meu “banheiro”.
Nesta época do ano, tomar banho lá é ideal porque
não é longe do poço, evita carregar a lata de água pesada
por dez metros. Logo à noite vou insistir com meu pai e meu
irmão para que me ajudem a fazer também um carrinho,
um guarda roupa, uma mesa ou uma cadeira. Meu pai sabe
fazer cadeiras de madeira. Deram uma pele de vaca a ele na
vila. Ele deixou-a secar alguns dias. Fazia medo ver aquele
negócio lá secando com a ajuda de varas, sobretudo quando
estava escuro. Depois que a pele secou bem, ele que já tinha
preparado as pernas das cadeiras, cortou a pele no tamanho
certo, e pregou no esqueleto. Agora, temos seis cadeiras de
pele de vaca. Vou continuar a insistir com meu irmão para
que pelo menos ele me mostre como devo fazer o carrinho.
Se não quiser, ele que tire sozinho as bananas do buraco
onde as enterramos.
das árvores frutíferas que meus pais plantaram. Mangueiras,
jabuticabeiras, bananeiras, goiabeiras, jaqueiras, laranjeiras,
coqueiros, limoeiros. Algumas nativas, quase todas plantadas
com mudas ou sementes doadas pelas comadres ou por
parentes. Um pomar imenso para o meu pequeno tamanho.
Agora devo começar minha volta para casa onde
estão meus tamanquinhos, meu pijama de flanela e minha
mãe que prepara o jantar ao mesmo tempo em que cuida de
tantas outras coisas: dar comida às galinhas e porcos; ver se
minha irmã e meu irmão, os mais velhos, que já vão à escola,
fizeram suas tarefas; recolher as roupas secas lavadas
na manhã mesma; passar... Eu não quero e não devo me
sujar após o banho. Tenho à minha disposição dois pedaços
de madeira retangulares do tamanho das telhas de tabuinha
que cobrem a nossa nova casa. Aliás, foram duas das que
não foram servidas que estou utilizando. Agora, ao invés da
primeira e pequena casa, temos uma grande. Sala, cozinha
e dois quartos, um para os pais e o outro para as crianças,
além de uma varanda na frente. Na frente desta e de toda a
casa, tem muitos pés de flores plantadas pela minha mãe. A
casa velha, onde nasci, serve agora de lugar para estocar os
mantimentos colhidos na roça: arroz, feijão, café, algodão...
Penso em papai que ainda está na roça e só volta
com o escurecer. Mamãe já esteve, ela volta mais cedo para
cuidar das coisas da casa. Das duas tabuinhas que tenho nas
mãos, coloco uma no chão, em direção à casa, piso em cima
e começo a avançar. Agora, coloco a segunda mais na frente,
recupero a que ficou atrás e dessa forma vou indo até chegar
ao destino, sem sujar os pés. Só estou vestida de calcinha
feita por minha mãe que, aliás, costura para toda a família.
Ela é feita de restos de tecidos que sobraram das calças
compridas ou das blusas de meu pai ou ainda dos nossos
vestidos de chita. Colorida, de elástico na cintura, sou rainha
no meu universo. Ouço os passarinhos, o barulho do vento,
dos porcos que reclamam comida; vejo o sol que começa a
avermelhar antes de deixar ao espaço a escuridão que não é
completa, pois o escuro da noite é iluminado pelo tapete de
estrelas que parece cair nas nossas cabeças. Penso no meu
irmão que está construindo, com a ajuda do pai, um carro
com uma lata de óleo de um litro e uns pedaços de madeira.
Queria saber fazer carros assim, mas ele disse que sou menina,
não posso aprender. Também não quer me ensinar a
assoviar. Meu pai diz que assoviar é coisa pra homem.
Não gosto de brincar de bonecas. Minha irmã mais
velha não brinca mais, ajuda minha mãe, quando não está
na escola, vai levar merenda para o meu pai na roça, ajuda a
colher, assim como meu irmão. Minha segunda irmã só gosta
de brincar de bonecas. Tem uma de pano feita por minha
mãe, de cabelos pretos e boca vermelha. A boneca tem até
roupas também feitas pela minha mãe. Mas como é uma só
e ela precisa de outras para serem os filhos, o pai e as comadres,
ela mesma fabrica outras com sabugos de milho que
pega no monte dentro do galpão. Eles servem para se limpar
quando a gente quer ir ao “mato”, para acender fogo, mas
também para se fazer bonecas. Com a ajuda de carvão preto
elas ganham sobrancelhas e olhos. Os lábios são desenhados
com sementes de urucum, plantado por minha mãe, para
fazer colorau que dá cor ao arroz, ao frango... Que paciência
tem essa minha irmã! Após dar vida às “filhas”, ela cria
para elas roupas com folhas de laranja, flores, ou qualquer
outra coisa que sirva. Em geral, os fios do milho verde se
transformam em cabelos e os espinhos de limão ou laranja,
em agulha para dar injeção quando tiver “criança” doente.
Minha mãe vive reclamando que ela pega todas suas flores e
pica para fazer não sei o quê. Outro dia, brincando com ela,
fiz remédios. Com o líquido da mandioca, que mastiguei, fiz
um remédio branco para dor de barriga. Com o suco da laranja,
que mastiguei, coloquei um pouquinho de areia, como
se fosse o chifre queimado que mamãe torra e faz pó, para
usar como remédio contra tosse. Brincar de farmácia é melhor.
Assim, quando minha irmã tem “crianças” doentes, ela
pode ir à farmácia. Não vejo graça nenhuma em brincar de
boneca mas, às vezes, termino cedendo às vontades dessa
irmã e brinco com ela. Se não for dessa forma, com quem
ela vai brincar? Com meu irmão? Claro que não!
Estou quase chegando à porta da cozinha de casa.
Já percorri uns 7 metros que separam a casa do meu “banheiro”.
Nesta época do ano, tomar banho lá é ideal porque
não é longe do poço, evita carregar a lata de água pesada
por dez metros. Logo à noite vou insistir com meu pai e meu
irmão para que me ajudem a fazer também um carrinho,
um guarda roupa, uma mesa ou uma cadeira. Meu pai sabe
fazer cadeiras de madeira. Deram uma pele de vaca a ele na
vila. Ele deixou-a secar alguns dias. Fazia medo ver aquele
negócio lá secando com a ajuda de varas, sobretudo quando
estava escuro. Depois que a pele secou bem, ele que já tinha
preparado as pernas das cadeiras, cortou a pele no tamanho
certo, e pregou no esqueleto. Agora, temos seis cadeiras de
pele de vaca. Vou continuar a insistir com meu irmão para
que pelo menos ele me mostre como devo fazer o carrinho.
Se não quiser, ele que tire sozinho as bananas do buraco
onde as enterramos.
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